Trecho do livro "Paulo Freire para educadores" de Vera Barreto
Certa vez uma alfabetizadora fez a Paulo Freire a pergunta
com que começamos este capítulo. Paulo, de uma forma simples
e objetiva, respondeu com uma carta, de onde retiramos o trecho
abaixo
É bom começar chamando a atenção para o poder que têm as
perguntas de provocar a gente. Veja bem, agora mesmo, ao
me preparar para iniciar a minha resposta à pergunta, me vejo
obrigado a pensar, a ficar olhando o papel em que repeti sua
pergunta: “Para que alfabetizar?”
Ao ficar assim aparentemente parado, pensando, percebo que,
para responder à sua pergunta, devo entender a relação que
ela tem com outras perguntas que, embora não tenham sido
pronunciadas, se acham presentes. Assim, o para que
alfabetizar? Tem que ver com o que é alfabetizar? Como
alfabetizar? Quando? Por que? etc.
Para que? É a pergunta que a gente faz quando a curiosidade
da gente se assanha para saber a finalidade da ação ou da
coisa de que a gente está falando.
A gente pergunta o que é? Quando quer saber ou compreender
o que é que faz que pedra seja pedra e não pau; que flor seja
flor e não passarinho.
Como? É a pergunta que a gente faz pra saber os caminhos
que a gente percorre, os métodos que a gente usa pra obter o
que se pretende.
Por que? é a indagação pela qual a gente procura a razão de
ser, a causa das coisas, e quando? Tem que ver com o tempo
delas.
É interessante observar como há uma certa solidariedade entre
as diferentes perguntas, não importa qual seja aquela pela
qual começamos a indagar da coisa ou da ação.
Agora, quando você me pergunta para que alfabetizar?, me
sinto levado a dizer algo sobre o que é alfabetizar. Para fazer
isso vou tentar um caminho simples e muito concreto. Veja
bem, neste momento, tenho algo na minha mão. Pego a coisa
que tenho nos dedos, apalpo-a, sinto-a. Ganho a sensibilidade
da coisa, percebo-a, falo o nome da coisa e escrevo o nome
da coisa. Assim sinto a caneta nos dedos, percebo a caneta,
pronuncio o nome caneta e depois escrevo ca – ne – ta.
O mesmo, quase, se dá quando falamos palavras abstratas, só
que não pegamos a significação delas. Eu não pego a saudade
do Recife com as mãos. Eu sinto a saudade inteira no meu
corpo. Eu falo e escrevo saudade.
Veja, a pessoa chamada analfabeta, que não sabe ler nem
escrever, sente como nós, a coisa, pegando-a ou não, percebe
e fala, só não escreve, portanto não lê também. Alfabetizar,
num sentido bem direto, é possibilitar que as pessoas a quem
falta o domínio desta operação criem este domínio. Por mais
importante — e é muito importante — o papel da educadora
ou do educador na montagem deste domínio, o educador não
pode fazer isto em lugar do alfabetizando. A alfabetização é
um ato de criação de que fazem parte o alfabetizando e o
educador. O educador é fundamental. Ele tem mesmo que
ensinar desde porém que jamais anule o esforço criador do
alfabetizando.
É interessante observar como não podemos falar de
analfabetismo em culturas que desconhecem o alfabeto, as
letras. Numa cultura iletrada não há analfabetos. O “analfabeto
— e isto me foi dito há mais de vinte anos por um culto
alfabetizando, num Círculo de Cultura – é a pessoa que,
vivendo numa cultura que conhece as letras, não sabe ler nem
escrever.”
Para que alfabetizar? Numa primeira aproximação ao
problema e seguindo aquele alfabetizando nordestino a quem
me referi acima, poderia dizer a você: para que as pessoas
que vivem numa cultura que conhece as letras não continuem
roubadas de um direito — o de somar à “leitura” que já fazem
do mundo a leitura da palavra, que ainda não fazem.
Nesta carta, Paulo faz referência a importantes pontos da
forma como compreende a alfabetização:
! O ato de aprender a ler e a escrever começa a partir de uma
compreensão abrangente do ato de ler o mundo, coisa que
os seres humanos fazem antes de ler a palavra.
! Teria sido impossível escrever se antes não tivesse havido a
fala. Não é possível ler sem falar, do ponto de vista de uma
compreensão filosófica, global do ato de ler.
!A leitura da palavra foi precedida de um passado sem palavra
oral e um passado depois da oralidade.
! A leitura da palavra escrita implica a fala, implica a oralidade.
A capacidade de falar, por sua vez, demandou antes o
transformar a realidade. É isso que eu chamo de ‘escrever o
mundo’.
!Ninguém é analfabeto porque quer, mas como conseqüência
das condições de onde vive. Há casos, onde “o analfabeto é
o homem ou mulher que não necessita ler e escrever”, em
outros é a mulher ou o homem a quem foi negado o direito de
ler e escrever.
!Enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo da
alfabetização tem, no alfabetizando, o seu sujeito.
Maria Inez, hj pude ver seu blog, achei o máximo. Sempre te
ResponderExcluirte admirei, Vc é uma mulher híper inteligente. Parabéns realmente esta 10. Amei...
A alfabetização é um ato de criação de que fazem o alfabetizando e o educador.O educador é fundamental.Ele tem o mesmo que ensinar desde porém que jamais anule o esforço criador do Alfabetizado( FREIRE,2011) preciso saber onde está essa citação...
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